sábado, 22 de outubro de 2011

A MANGA E O ABACAXI


“Eu faço as minhas coisas e você faz as suas.
Não estou neste mundo para satisfazer
as suas expectativas. 

E você não está neste mundo para viver
conforme as minhas.
Você é você e eu sou eu.
E, se por acaso nos encontrarmos, será 
maravilhoso.
E, se não, não há nada a fazer.” 
Frederick Perls.

E, finalmente, ele comprou a sua nova casa.
Tudo nela, era o que sempre sonhou. O jardim que sua mulher tanto desejava, um amplo quintal onde as crianças podiam brincar com liberdade e segurança, quartos amplos e arejados, o gabinete para suas horas de leitura, enfim, tudo no lugar.
Todos estavam felizes e, por consequencia, ele também estava transbordando de felicidade.
Tão feliz com o todo, que não observou um simples detalhe: a frondosa e imponente mangueira no quintal.
Os dias foram passando e todos iam descobrindo a melhor maneira de desfrutar da nova moradia. E, sem que ninguém percebesse, a mangueira foi se transformando no ponto de maior atração da casa.
As crianças, que até então só conheciam o pequeno apartamento do subúrbio onde sempre moraram, amarrando cordas em seus fortes galhos, improvisavam balanços que deleitavam a garotada da vizinhança. 
Para ele e a mulher, nada era mais relaxante e divertido, do que os churrascos das tardes de sábado, junto aos amigos e à sombra da mangueira.
Nas noites de lua cheia, as serestas em sua casa, já estavam ficando famosas e esperadas.
Em tudo que acontecia de alegre e prazeroso na nova casa, a presença da mangueira era marcante. A ponto de ele próprio já ter dúvidas se era a mangueira que fazia parte da casa ou se era a casa que completava tudo de bom que a mangueira proporcionava.
Chegou dezembro e começou a safra.
Era tempo de manga e a mangueira não decepcionou. Começou a produzir lindas e suculentas mangas, numa quantidade muito maior do que a família podia consumir. Por mais que se fizesse sorvete de manga, suco de manga e se chupasse manga, sempre sobrava o suficiente para que a vizinhança, agradecida, recebesse generosos presentes De manga...
Mas, havia um problema que ele jamais contara a ninguém: desde criança, nunca suportara nem o cheiro e nem o gosto de manga.
E agora estava ali. Com a família que sempre quis ter, na casa com que sempre sonhou, ouvindo pássaros cantando ao seu redor, descansando confortavelmente à sombra de uma frondosa mangueira, mas cercado de mangas por todos os lados.
A situação era, para ele, insuportável.
E o pior, era que todos, até com uma ponta de inveja, o elogiavam.
- Que sorte. Uma bela e confortável casa, e, no quintal uma mangueira que, além de divertir a garotada, proporcionar aquela sombra, ainda produzia uma manga tão gostosa.
Dizia o amigo, com caldo de manga escorrendo pelos cantos da boca. 
Em parte ele até concordava.
Mas, não suportava manga. 
Nem o gosto e nem o cheiro.
Isso, creiam, lhe tirou a alegria e o afastou da felicidade.
Ele que era alegre e comunicativo, transformou-se numa pessoa amarga e irritada. Em casa, a família percebeu. No trabalho, os colegas estranhavam. 
Perdera o prazer de voltar para casa. Os fins de semana, os feriadões, passaram a serum verdadeiro suplício. Tudo por causa das mangas. 
Do gosto e do cheiro.
Um amigo, preocupado com a sua brusca transformação, o convidou para, após o expediente, tomar um uísque e conversar.
Foi então que ele, após algumas doses, conseguiu se abrir: não suportava manga, nem o gosto e nem o cheiro. A fruta que ele gostava mesmo era abacaxi. Do gosto e do cheiro.
O amigo não externou, mas intimamente até achou graça.
Como um problema de tão fácil solução, podia levar uma pessoa a um estado de depressão tão profundo? E sugeriu o que lhe pareceu mais lógico: ele cortaria a mangueira e plantaria em seu quintal, pés de abacaxi.
Ele refutou na hora, até com indignação.
- Cortar a mangueira, jamais. Nem podia, nem devia. E o balanço das crianças? E os churrascos de sábado? E as serestas das noites de Lua cheia? E até aquele jeito de chácara que a mangueira oferecia à sua casa? Não, cortar não.
E, com lágrimas nos olhos, confessou:
- Eu gosto. Eu adoro aquela mangueira. O que eu não suporto é manga. Nem o gosto e nem o cheiro. O meu desejo é que ela ao invés de manga, produzisse abacaxi. Porque de abacaxi eu gosto. Do gosto e do cheiro.
E ele jamais conseguiu resolver o seu problema.
As árvores, como as pessoas, são como são.
Cada uma, produz os seus próprios frutos
Mangueira, só dá manga. Não dá abacaxi.

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