- Pai, tenho um namorado.
Assim começa uma crônica, de autoria de Antonio Maria, publicada no jornal Ultima Hora, no dia 21 de julho de 1960.
Nela, o excelente cronista pernambucano, registra o momento terno, em que o pai descobre que a filha cresceu e já está até namorando, coisa que ele imaginava só acontecer com as filhas dos outros.
Nunca com a sua.
Então, o aflito pai começa a imaginar como seria e o que faria aquele namorado com a sua indefesa filha.
“Um rapazola, banal, que se aproveitando de sua ingenuidade, a dominará. Que a beijará no cinema e lhe sentirá o corpo, no enleio da dança. Que lhe fará ciúmes de lágrima e revolta; pior ainda, de submissão, enganando-a com outras mocinhas. Que, quando sentir os seus ciúmes, com toda certeza, lhe dirá nome feio e, possivelmente, lhe torcerá o braço. E ela chorará, porque o braço lhe doerá. Mas ela o perdoará no mesmo momento ou, quem sabe, não chegará, sequer, a odiá-lo. E lhe dirá, com o braço doendo ainda: ”Gosto de você, mais que de tudo, só de você.” Mais que de tudo e mais que dele, o pai, que nunca lhe torceu o braço. Só de você é não gostar dele, o pai. E pensará, o pai, que esse porcaria de rapaz fará a filha mocinha beber whisky, e ela, que é mocinha, ficará tonta, com o estômago às voltas. Mas terá que sorrir. E tudo o que conseguir dela será, somente, para contar aos amigos, com quem permuta as gabolices sobre suas namoradas. Ah! O pai se toma da imensa vontade de abraçar-se à filha mocinha e pedir-lhe que não seja de ninguém. De abraçá-la e rogar a Deus que os mate, aos dois, assim, abraçados, ali mesmo, antes que torçam o bracinho da filha.”
E, após recordar que também já fora rapaz e que já namorara a indefesa filha de alguém, Antonio Maria finaliza a sua crônica, com o pai simplesmente dizendo à sua querida filhinha:
- Queira bem a ele, minha filha.
Só que, no nosso caso, quem revela ao pai que tem um namorado, é um guapo e sarado jovem de 17 anos, em pleno limiar do século XXI.
E o pai, ao ouvir essa revelação, sente como se fosse atingido por uma bala de canhão em seu peito.
Recorda os primeiro passos inseguros daquele jovem; a primeira bola de futebol que para ele comprara, e da decepção causada pelo seu desinteresse pela pratica daquela, ou qualquer outra modalidade esportiva.
Lembra com orgulho do seu excelente desempenho escolar e da satisfação que sentia ao receber os elogios dos professores nas reuniões de pais e mestres.
Crescera sem vícios e sem praticar qualquer ato que o envergonhasse.
E justamente agora, depois de sua recente aprovação no vestibular para a Universidade, ele revela que tem um namorado.
É certo que já lhe era motivo de preocupação o fato dele não demonstrar muito interesse pelas colegas de estudo. Sempre optava pelos colegas.
Por essa razão ele, o pai, talvez já admitindo remotamente a possibilidade de seu filho ser homossexual, começara a ler e pesquisar sobre o assunto e, nos papos com os amigos, até assumia avançadas posições quanto às preferências sexuais. Ou orientações sexuais como os especialistas chamam.
Mas aquela dura constatação da homossexualidade de seu único filho era forte demais para ser aceita.
Como imaginar o seu querido filho nos braços de outro homem?
Como conviver com o escárnio e a discriminação de uma sociedade dissimuladamente homófobica?
E foi naquele momento de desespero, com o seu atônito filho diante de si, que ele mentalmente, começou a compará-lo com os filhos de todos os seus amigos, chegando à conclusão de que não o trocaria por nenhum deles.
Desfilaram em sua mente todos os valores positivos daquele rapaz,
Sua lealdade, seu caráter, sua competência, sua sensibilidade e sentiu orgulho de ser seu pai.
Foi então que, com lagrimas nos olhos, abraçou o filho e disse:
- Queira bem a ele, meu filho
Fonte-Varandadeipioca
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