quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Seca no Nordeste: castigo da natureza ou dos homens?


Para quem vive no interior desse imenso Brasil, a frase "o que Deus quiser" soa sempre como uma dor profunda que sai do coração do sertanejo. Quantas lutas perdidas, quantos sofrimentos, quantas decepções com as promessas de políticos. O frase muitas vezes tem a conotação de um íntimo desespero, mas, ao mesmo tempo, de confiança naquele Deus em que o sertanejo sempre repõe sua última esperança, guardada no fundo, no cantinho mais escondido. Resignação, mas não desistência.
E desta vez, a mesma história se repete. Recebemos da zona da seca - assim podemos chamá-la, visto que a seca já é cíclica - uma carta dolorida de quem ainda confia em Deus, mas perdeu toda a confiança nos homens, especialmente nos políticos do lugar, e não é para menos. Quantos sofrimentos, quantas caminhadas para ter uma lata de água barrenta que dá cólicas e disenterias, que não mata a sede, quando na mesma caatinga estorricada pelo sol, a mansão do político tem piscina até de água mineral, plantas vicejantes regadas pela antiga Sudene, rezes bem alimentadas (como a mesma TV mostrou em outras secas).
Fora dali, crianças sedentas, famintas e com verminose, mulheres ressequidas, sertanejos enrugados pelo inclemência do sol e desesperados, em busca de uma gota de água para aliviar a sede sua e dos filhos, dos animais que deveriam providenciar sua subsistência.
Em novembro, os pequenos açudes já estavam secos e barrentos. O sertanejo está vivendo o enésimo drama da seca nordestina que dura séculos. Tenta sobreviver de qualquer maneira, esperando o socorro dos carros-pipas: quando chegam (se é que chegam) é como festa de Natal que, aliás, este ano não tiveram.
Temos que reconhecer que algumas prefeituras estão tentando algo como carros-pipas, algumas adutoras, mas tudo insuficiente para atender a demanda dos flagelados, alguns açudes, ainda inacabados, cujo resto de água podre nem serve para matar a sede dos animais.
O "Diário do Nordeste", na folha regional do dia 5 de novembro, relata o que parece um absurdo. "O garoto Francisco José, de apenas 12 anos, conta que sai de casa todos os dias, do distrito de Cipó dos Anjos - parece ironia -, para conseguir água para família. Ele caminha mais de seis quilômetros para conseguir abastecer a pequena pipa carregada por um jumento. Só que o garoto não monta no animal. 'O jumento não agüenta o meu peso pois ele já sofre muito com a seca'. Francisco José diz que não tem vergonha de fazer o que faz. Afirma que, se pudesse, trabalharia nas frentes de serviço. O pai dele trabalha nas frentes de serviço e a mãe é doente".
Na longa história das secas, algumas coisas foram feitas, mas poucas pelo muito dinheiro que se perdeu nos caudais dos administradores públicos e da burocracia e o povo continua sofrendo. O amigo que nos escreve diz que a seca do ano 70 durou 5 anos, depois veio a de 81 que durou mais cinco anos, a de 92/93 que - ele acha - foi a maior pelo sofrimento e pelo descaso das autoridades. ... e ele conta que, apesar do pouco que tinham, os flagelados tudo dividiam entre si, ajudando em particular as mulheres e as crianças, enquanto muitas vezes os homens fugiam do sertão para a cidade, em busca de nova vida, mas, freqüentemente, esqueciam os que tinham deixado para trás.
Quem nos escreve é um morador do município de Dep. Irapuã Pinheiro, que ele define como o "menor e o mais pobre município do Estado do Ceará". Tem 10 mil habitante, 6 mil eleitores, 99% são pobres e 85% das famílias vivem abaixo do nível da pobreza. A fome, a desnutrição infantil, o desemprego são de rotina no município, ainda mais agravados pela seca atual na qual já se perderam as lavouras. As frentes de trabalho aceitam somente uma pessoa de cada família e pagam 90 reais por mês (contra os bilhões que esse governo liberou para salvar os bancos e os grande usineiros da mesma região). O mesmo jornal publica (9/12/98) que fome pode matar 1 milhão no NE conforme denúncia da CNBB.
Seca: castigo da natureza ou dos homens?

Da paróquia de N. Sra. de Perpétuo Socorro de Acopiara, Ceará.
Recebemos dessa paróquia e publicamos, na íntegra, o texto que foi escrito em 24 de dezembro pp., quando a maior parte dos brasileiros se preocupava com a festa do Natal:
A paróquia de Acopiara está situada no nordeste de Brasil, alto sertão do Estado do Ceará, semi - árido, região sujeita a secas periódicas.
Atualmente, estamos vivendo uma das piores secas e falta até pasto para os animais, com grande parte da população passando fome. As providências governamentais são insignificantes e assistencialistas. Dentro de um universo com cerca de 60.000 habitantes, menos de 3.000 são alistados em frentes de serviço, cada alistado ganhando R$ 90,00 mensalmente. Como trabalhos: roçar as margens das rodovias, fazer tijolos, barrar riachos com pedras toscas.
As mulheres, cujos maridos foram embora atrás de sobrevivência, são discriminadas, não podendo alistar-se, embora sejam agricultoras e famintas.
Os que moram também na periferia urbana, embora sejam trabalhadores rurais, não podem alistar-se. Um quadro desolador.
A Paróquia de Acopiara, há anos, começou um trabalho nas comunidades eclesiais de base rurais (CEBs), de segurança alimentar, de convivência com o semi-árido e a seca. A primeira etapa desse trabalho consiste em armazenamento, em silos de zinco, de cereais produzidos nos invernos, para o ano seguinte ou seca eventual.
A segunda etapa consiste no aumento e diversificação da produção agrícola, com pequenas irrigações com motor-bomba, canos e aspersores, com apiários, casa de farinha, plantação de capim irrigado para o gado, etc.
Quatorze comunidades rurais estão dentro dessa caminhada, umas na primeira etapa e outras já na segunda. Trata-se de uma experiência pioneira, promocionalista, que está dando resultados satisfatórios. Os participantes dessas comunidades têm o que comer.
Temos, porém, 112 CEBs. Ainda falta atender um grande número.
De que necessitamos presentemente? Recursos para a compra de silos, de motor-bomba, canos, aspersores. Um silo capaz de armazenar 5 sacos de gêneros custa R$ 30, 00 e um motor -bomba com 40 varas de cano e 6 aspersores sai por volta de R$ 5.000,00.
Solicitamos a generosidade de doações para esses trabalhos comunitários promocionalistas. Assim atingiremos não só os efeitos da seca, mas ela será atingida na sua causa.
Prestaremos conta com notas fiscais e recibos dos equipamentos comprados.
É esse o melhor Natal que vocês podem dar às nossas comunidades carentes.

Nenhum comentário:

Postar um comentário