terça-feira, 27 de agosto de 2013

SITUAÇÕES DE RISCO GERAM ESTRESSE E EXIGEM TRATAMENTO


Rebeca explica que o estresse pós-trauma pode ser desencadeado com maior possibilidade em pessoas que já têm uma predisposição. A violência contribui para agravar a sensação de insegurança que domina a população FOTO: ÉRIKA FONSECA

O que é o estresse pós-traumático? 

É uma resposta tardia a um evento ou situação estressante que pode ser de curta ou de longa duração. Geralmente tem natureza ameaçadora e causa bastante angústia nas pessoas. Pode ser de natureza humana ou natural. Por exemplo, quando é uma questão natural de acidente, terremoto, tornado ou causa humana, como ser vítima de assalto, sequestro, ameaças, presenciar um assassinato, ser vítima de acidente, ou qualquer evento estressante. 

Em quais situações do dia a dia o transtorno do estresse pós-traumático mais aparece? (assaltos, acidentes, ameaças, sequestros etc?)

Pode aparecer em vários tipos de eventos estressantes. Vai depender do tipo de personalidade da pessoa e da existência de outro tipo de problema, que pode facilitar a ocorrência do transtorno, mas também não quer dizer que vai acontecer. Tem que ocorrer uma situação estressante para gerar o problema. Por exemplo, durante um assalto a banco várias pessoas estão no mesmo local, algumas pessoas podem desenvolver um transtorno de estresse e outras não. O que notamos na clínica é uma sensação de insegurança muito grande, como um transtorno de estresse pós traumático de pessoas que passaram por tentativa de assalto ou um sequestro-relâmpago. No caso de policiais que presenciaram situações ou que fizeram atividades intensas durante cursos. É comum que algumas vezes, fiquem sem dormir.

Como o cidadão pode amenizar a consequência dele?

Vários estudos sobre a questão do trauma indicam que se a pessoa passou por uma situação de estresse, deve procurar o tratamento. Em um caso de acidente, os sobreviventes e familiares das pessoas que faleceram devem ser acompanhados, no sentido de prevenir. Quanto mais cedo a pessoa for acompanhada, melhor para evitar o trauma. Normalmente, depois dos eventos as pessoas tendem a ter um retraimento social e não falam sobre o assunto. O acompanhamento psicológico após o trauma pode evitar uma consequência maior. Existem pessoas que já possuem um histórico de ansiedade, depressão e que se tornam mais sensíveis em situações estressantes comparada a uma pessoa que nunca teve problemas.

A terapia é a única saída? E como ela é realizada? O estresse pode gerar outros transtornos mais graves? Quais?

A primeira característica do estresse pós-traumático é a pessoa reviver o fato. Fica lembrando da situação através de sonhos, aí acontece o retraimento social, um certo entorpecimento, uma diminuição do prazer e podem surgir medos, associados à situação ou não. É muito frequente as pessoas tentarem evitar as situações associadas ao trauma, ao que aconteceu. Por exemplo, pessoas que sobreviveram a um acidente de avião ou que tiveram pessoas falecidas nele, quando pensam em aeroporto ou presenciam um avião decolando, já passam a reviver a situação estressante. O transtorno do estresse pós-traumático pode surgir semanas após o evento e até meses. A própria pessoa pode perceber que tem algo estranho, mas não procura ajuda. Mas a família deve ficar em alerta para asa mudanças de comportamento. A pessoa passa a ter um sono conturbado, sofre com a falta de prazer e de vontade de realizar atividades que antes eram rotina.

A violência e a criminalidade no nosso dia a dia nos impõem que tipo de comportamento para evitarmos o pânico?

Vejo muitos pacientes que têm uma personalidade ansiosa devido à autoexposição. Além disso, todos conhecem alguém que sofreu um assalto, que viu um arrastão. Toda situação deste tipo é passada de boca em boca, e todos os dia. Então, nos deparamos com a sensação de insegurança. Isso pode levar a pessoa que já têm uma pré-disposição a ter um pico de estresse maior. Notamos que muitas pessoas sofrem demais com a sensação de insegurança geral e evitam, por exemplo, andar em alguns locais, mesmo nunca tendo sido vítima.

A Sra. atende também os policiais militares do Batalhão de Choque. Que tipo de situação é mais estressante para eles e que merece um acompanhamento psicológico?


Trabalho com os policiais do Batalhão do Choque desde o início de 2006 e percebo que o trabalho deles é estressante, um trabalho com ocorrências inesperadas. Não se consegue delimitar a situação exata para eles. É muito estressante também quando se tem público civil envolvido nas ocorrências, pois o militar vai ter que agir para prender um assaltante, por exemplo, e também se preocupar em proteger o cidadão, tudo ao mesmo tempo. A rotina de trabalho deles é desgastante, e o tipo de trabalho muda de uma companhia para a outra. Os integrantes do Comando Tático Rural (Cotar), por exemplo, vivem no meio do mato (são policiais que atuam no combate ao crime no sertão). A Polícia é muito criticada. É também estressante para os policiais a falta de reconhecimento. Muitos policiais são assassinados no Brasil e isso também afeta aqueles que estão nas ruas. Além do difícil trabalho e da permanente cobrança da população e da própria mídia, eles ainda têm que lidar com os problemas e a rotina da família. Não existe a história de, na folga, "deixar o policial no quartel". Até quando o PM entra na reserva ele continua interiormente sendo policial.

A carga emocional que os PMs sofrem pode influenciar no seu comportamento social e gerar um ataque de violência doméstica, por exemplo?

Qualquer um de nós que é colocado em uma situação limite geralmente não sabe como vai reagir. Se for assaltado, por exemplo, é pensado racionalmente que não se pode reagir, mas na prática é diferente. Se você coloca a pessoa em um nível de estresse alto, o raciocínio naquele momento é diferente, e a consequente reação também é diferente. No caso de um nível de estresse contínuo, pode gerar uma resposta violenta. Mas, este é o momento em que a pessoa precisa perceber quando está chegando seu próprio limite. Pode ser que a carga de estresse a torne mais violenta, e esta vai se juntar com a falta de descanso e até com a insatisfação com o trabalho. Uma das coisas que incomodam muito a Polícia é a maneira como as pessoas veem os policiais. Quando a pessoa precisa da Polícia, quando tem o seu carro roubado ou quando é assaltada, quer que a Polícia seja enérgica, rápida e eficiente. Mas quando vê um policial, por exemplo, invadindo uma casa para efetuar uma prisão, essa mesma pessoa o considera agressivo. A própria população não está preparada para lidar com uma Polícia comunitária.

Como fazer para que os PMs possam ter uma vida normal dentro do cenário ao qual estão expostos?

Na Polícia Militar do Ceará só existem três psicólogos, e apenas um realiza atendimento. É urgentemente necessário para a Polícia do Estado do Ceará um acompanhamento psicológico para seus integrantes, para atendimento individual e em grupos. Geralmente, eles (os PMs) têm problemas no trabalho e em casa. A jornada de trabalho deles é desgastante e influencia nos relacionamentos. Por exemplo, um policial do Cotar tem uma jornada de sete dias trabalhando e sete dias de folga. O acompanhamento psicológico não é necessário somente para a PM, mas para toda a Polícia.

Como é trabalhar voluntariamente para a Polícia?

Sou voluntária na Polícia. É gratificante você olhar para profissionais que gostam do que fazem. Eles não têm salário alto, as condições físicas do ambiente de trabalho não são as melhores. Mas eles dizem que gostam do que fazem, que se sentem úteis para a sociedade, que sentem que estão fazendo o seu papel. Quando cuidamos da Polícia estamos cuidando da gente e da sociedade. Se há um trabalho com o intuito de que os policiais estejam menos estressados, certamente eles irão trabalhar melhor.

Que recomendação a Sra. faria para os cidadãos diante de tanta violência nas ruas?

Se você passou por uma situação difícil não espere que isso gere um problema maior. Busque ajuda. Muitas vezes, um acompanhamento rápido soluciona o problema.

FIQUE POR DENTRO

Violência gera desequilíbrio emocional

Assaltos, ameaças, sequestros-relâmpagos, ´arrastões´, briga de torcidas, tiroteios, acidentes de trânsito e mortes fazem parte do dia a dia das grandes cidades. São fenômenos da criminalidade que geram desequilíbrio emocional nas pessoas, do mesmo modo que desastres naturais, como terremotos, avalanches, tornados e inundações. São eventos que geram abalos nas pessoas e podem causar transtornos de pós-trauma. Eles aparecem até meses depois dos fatos, mas precisam de acompanhamento clínico. Sem isto, tendem a se agravar. Expert no assunto, a psicóloga cearense Rebeca Moreira Rangel dá dicas de como e quando a pessoa deve procurar atendimento de um especialista. Além de estudiosa no tema, Rebeca tornou-se voluntária no acompanhamento psicológico de dezenas de policiais militares que compõem o Batalhão de Choque da PM, tropa de elite da PM cearense.

AUTOR: DN

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