terça-feira, 6 de dezembro de 2011

O CEGUINHO E O JÔGO 13.

Alberto Jorge C. Lins


Era um sábado daqueles na casa lotérica! Um espaço minúsculo, dezenas de pessoas se apertavam e davam voltas nas filas para fazer jogos, pagar contas, sacar bolsa escola, bolsa famíla, bolsa isso, bolsa aquilo....
A mega sena estava acumulada e como é de praxe, o movimento da lotérica triplica.
No recinto, apenas um ventilador de teto que, ao invés de refrescar, misturava o ar quente com os diversos odores, tornando quase irrespirável o ar ambiente. Na verdade era um calor da peste, misturado com um fedor de pituim de urubu!
Vocês já devem estar imaginando a cara e o humor dos usuários!
Apenas duas filas: uma para os idosos e deficientes físicos, outra para as pessoas em geral, que por sinal, andava mais rápidamente do que a primeira.
Na fila dos idosos, uma diversidade de figuras: uns, falantes; outros, enfezados; aqueloutros, esbaforidos. Mas, um senhor especialmente, chamava a atenção. Era um galêgo sarará que, devido ao calor, estava vermelho que nem bunda de macaco mandril, suando que só a “muléstia” e cheio de mumunha, reclamando da demora no atendimento!
Naquela muvuca, eis que aparece na porta da loja, um baixinho de óculos escuros, segurando uma bengala, acompanhado por um garôto de seus catorze anos, que servia como guia de cego.
Desde a porta o ceguinho já começou a gritar: “ Rosa, ô Rosa, eu vim jogar, viu? Onde você tá?... Lá de dentro Rosa gritou: “Tô aqui seu João, vá entrando!” E o ceguinho, à medida que ia entrando, ia metendo a bengala nos pés dos outros usuários, provocando o maior alvoroço naquele ambiente já tão tumultuado. Ele ia entrando e continuava a gritar: “Rosa, eu vim jogar na loteca, cadê você?” ... “Tô aqui seu João, vá entrando, chêgue, fique aqui na boca do caixa!” O garôto que o acompanhava também foi entrando, todo escabreado.
Nisso, chegou a vez do galêgo esbaforido ser atendido, e ele, a muito contragosto, cedeu sua vez ao ceguinho.
Diante do guichê, seu João começou a fazer as perguntas de praxe: “Como vai, Rosa? E a família, vai bem? Menina, que calor é esse? Acho que vai chover” ...
O galêgo já estava subindo pelas paredes!
Rosa, tentando adiantar o serviço, perguntou assim meio sem convicção: “Seu João, o senhor trouxe o jôgo feito?”... Ele, na maior tranquilidade respondeu: “Trouxe não, minha filha. Essa semana o menino não passou aqui na loteria para pegar o volante do jôgo. Você vai dizendo e eu vou escolhendo o time”!
O povo da fila, ao ouvir aquilo, começou a chiar: Né possível uma coisa dessas! Diziam uns; Isso é um absurdo! Diziam outros.
O galêgo, fumaçando de raiva, parecia um foguête Sputnik!
Não houve jeito. Tiveram que esperar o ceguinho fazer oralmente, jôgo por jôgo!
Rosa dizia: “Jôgo 1, seu João, Fluminense e Flamengo?”.... Ele respondia: “Êita minha filha, começou mal, esse tá difícil. O Parreira é retranqueiro, o Flamengo tem o Adriano Imperador, que não treina. Huummm, bote aí coluna do meio!”... Jôgo tal, fulano contra beltrano... e à cada jôgo seu João fazia um comentário, ficava na dúvida, dizia: “bote tal; bote um duplo; coluna um; coluna dois.” E assim foi.... Lá pêlo jôgo 8, Rosa anunciou: “Corinthians e São Paulo, seu João, qual eu marco?” ... Ele pensou, repensou, estalou a língua e disse: “Vixe, Rosa, esse tá muito difícil, esse eu passo!”
A galera, que ouvia atenta o colóquio, não aguentou! Foi um misto de gargalhadas e impropérios. O galêgo estava a ponto de explodir, estava ficando rôxo! O menino que acompanhava o ceguinho estava tremendo de medo a ponto de se mijar todo!
Rosa, já impaciente, apressou seu João, forçando-o a dar respostas mais rápidas.
Quando chegou no Jôgo 13, CRB e CSA, seu João titubeou de novo. “Êita, Rosa, esse 'tá cá pexte'. O CRB já caiu da 2ª para a 3ª divisão do Brasileiro. O CSA, caiu para a 2ª divisão do Alagoano e tá disputando a 4ª divisão do Brasileiro. Duas 'miséria'! Vamos pular esse também!
Nessa hora o galêgo sarará estrebuchou de vez. Pulou nos peitos do ceguinho, agarrou-lhe pela beca e começou a apertar-lhe o pescoço dizendo: “Fí da pexte, ou você termina esse jôgo agora ou vou lhe quebrar no pau!”
A turma tentou segurar o galêgo e separá-lo do ceguinho. Uns puxavam de um lado, outros puxavam de outro, e nada de o galêgo soltar o pescoço do seu João!
Não tendo outra alternativa, seu João, para se ver livre da ira do sarará, quase sem voz, disse para Rosa: “bote um triplo, bote um triplo minha filha!” E só assim o galêgo largou do infeliz!
Soube, depois, que nunca mais seu João apareceu para jogar, nem ele nem seu guia, o garôto que morreu de vergonha por ter mijado nas calças na hora da confusão.
Ah, o galêgo sarará? Não conseguiu fazer o que tinha ido fazer na loteria. É que na hora do tumulto, apareceram uns policiais e o levaram à delegacia para que explicasse os motivos daquele inusitado ataque.
Que azar

Fonte-Varandas

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