domingo, 27 de maio de 2012

Busca pela sobrevivência vence o amor pelo campo


A primeira grande seca do século XXI assusta até os mais antigos. Quem vivenciou as secas de 1953 e 1983, como seu Manoel Olinto, 91 anos, de Lajes, e seu Manoel Cassiano, 74, de São Rafael, acredita que a estiagem de 2012 pode acelerar o processo de êxodo rural, já tão presente no campo. O fenômeno, que em alguns municípios, até se estabilizou, nos últimos anos, voltou a se intensificar. 

Pelos caminhos da seca, do Agreste ao Oeste potiguar, as estradas vicinais e de barro, que dão acesso aos povoados mais distantes e às serras levam a casas abandonadas; comunidades despovoadas e fábricas em decadência. Nem todos são tão resistentes como seu Olinto. Muitos se retiram do campo, fadigados pela luta árdua para garantir a sobrevivência.

Segundo dados do censo Demográfico 2010, entre 1970 e 2010, mais de 157 mil pessoas deixaram a zona rural. Abandonaram o campo, principalmente, pela pouca condição de convivência com a seca - um fenômeno natural que não deveria, mas ainda surpreende a muitos. Nos onze municípios percorridos pela TRIBUNA DO NORTE, entre 13 e 19 de maio, é evidente o abandono da zona rural. 

Para se ter ideia na terra do seu Olinto, Lajes até 1970 a população rural era superior a 4 mil habitantes. Em 2010, os que moravam na zona rural não somavam 2.400 pessoas. O sítio Mulungu, onde mora seu Olinto, já chegou a ser bem habitado. Tinha inclusive uma escola. Hoje, está praticamente deserto. Algumas casas até desabaram.

"Tem umas quatro famílias, no máximo, morando por aqui. Ninguém aguenta essa sequidão", diz Maria do Socorro, filha de seu Olinto. Além da aposentadoria do pai, o que sustenta a casa é o pagamento do Bolsa Família. "O meu pai", acrescenta, "é que diz que vai morrer aqui". A seca que ela considera "tirana" assusta, mas não esmorece seu Olinto. "Já vi passar muitas secas brabas, mas como essa somente a de 53, mas enquanto estiver vivo, continuo no sítio, porque estou fazendo movimento com meu corpo", disse bem humorado, antes de fazer a pé o caminho de volta pra casa, por seis quilômetros.

Ele contou que já viu muitos irem embora, desistirem. "Se eu tivesse morando na rua já estava paralítico", sentencia. Em Currais Novos, Antônio Gonzaga de medeiros, 64, nasceu no campo, mas não teve como continuar no campo. Em junho do ano passado, resolveu se transferir da zona rural para a cidade. "Trabalhava numa granja e morava numa casinha lá, mas estava fraco e o dono dispensou", contou o agricultor. Os fazendeiros da região, segundo ele não contratam mais.

Na região do Serrote do Gama, em Tangará, Maria Gorete da Silva Dantas, também sustenta a família com os R$ 172,00 que recebe do bolsa família. É com esse dinheiro", disse a agricultora, "que a gente atravessa o mês e ainda fica por aqui, por na cidade tudo é mais caro". Ela tem quatro filhos. O marido não está trabalhando. A sorte é que a família ainda tem uns 80 quilos de feijão branco, do plantio de 2011.

Dona Gorete conta que a comida é feita no fogão de lenha. Há mais de um ano que o gás de cozinha acabou e ela não pode compra um novo botijão. Seu Francisco Serafim chega já no final da entrevista e vai logo dizendo "aqui só a sede das fazendas, e está tudo acabado". No passado, o Serrote do Gama e a Serra do Algodão eram áreas bem povoadas.

Em Tangará, 2.258 famílias recebem ajuda instituída no governo Lula. Por mês, o Bolsa Família destina a esse município, R$ 269 mil. Em Currais Novos, a família de dona Mirian da Rocha, 66 anos, se divide, desde dezembro de 2011, entre o campo e a cidade. "A gente tem uma filha doente. Não mais pra morar no campo", contou. Com R$ 1.200,00 de duas aposentadorias, a dela e a do marido, sustenta a família. 

Os dois filhos homens que ainda vivem sob sua 'proteção' não trabalham. "É com esse dinheiro que a gente sustenta essa gente toda e os animais", conta dona Mirian, sem queixas. Das oito mulheres, três que estavam na casa da cidade recebem o Bolsa Família, e aguardam a entrega de uma casa própria, em um dos conjuntos populares construídos pelo governo federal no município. Um dos filhos de dona Miriam, o caçula, Abraão Tancredo, 24 anos, diz que não há oferta de trabalho. A esperança, segundo ele, é a abertura de uma mineração de ouro, que deve gerar 342 vagas de trabalho.

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