No sertão do Rio Grande do Norte, um dos frutos mais presentes na vegetação é a fruta-pinha. Adocicada, é muito consumida ao natural ou em sucos. Apesar de agradável ao paladar, tem um problema grave para quem pensa em comercializá-la: seu tempo de maturação é muito pequeno. Ou seja – o intervalo entre os estágios “madura” e “estragada” é dos mais rápidos. |
O contraste entre a facilidade na produção da pinha e a dificuldade em viabilizá-la como produto sempre marcou a agricultura da região. “Constatamos o problema, e pensamos: por que não fazer um sorvete de pinha? E aí iniciamos pesquisas que pudessem levar a isso”.
Quem conta é o professor Celso Carrer, da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA) da USP, do campus de Pirassununga. Ele é um dos líderes do projeto Portal dos Ventos, que a FZEA mantém desde 2007 no município potiguar de Caiçara do Rio do Vento, em parceria com empreendedores locais. A história da pinha é um exemplo das ações que o Portal dos Ventos tem realizado em Caiçara. Em todas, o trabalho é pautado pela união de esforços entre Universidade e sociedade, num intercâmbio do qual as duas partes são igualmente beneficiadas.
Projetos
O Portal dos Ventos tem como “quartel-general” uma fazenda na zona rural de Caiçara do Rio do Vento. Lá, funciona uma espécie de campus avançado, que serve como base para a equipe da FZEA que lá atua e também para os pesquisadores que permanecem no local em caráter permanente.
Entre alunos e professores, a equipe da FZEA realiza visitas semestrais à cidade. O que não quer dizer que o trabalho com o Portal dos Ventos se limite a esses períodos: “enquanto não estamos presencialmente lá, realizamos as pesquisas aqui em Pirassununga, nos nossos laboratórios, além de mantermos contato com as equipes situadas em Caiçara”, explica Celso Carrer.
Um exemplo disso é o já citado sorvete de pinha. “Que acaba se tornando o ‘sorvete de Caiçara’, um produto característico da cidade”, diz.
Outro projeto contemplou o artesanato. A região onde Caiçara do Rio do Vento está situada tem uma “mineralogia muito rica”, conta o professor da FZEA. Faltava à população local conhecimentos para transformar essas rochas em interessantes produtos de artesanato e também viabilizar sua comercialização. As equipes de FZEA e dos pesquisadores locais chegaram a um procedimento para tal, e hoje já há uma produção mais integrada desse artesanato.
Há também ações em piscicultura, apicultura – “que gerou um mel diferenciado, único da região, muito gostoso”, produção de roupas e outros itens.
O objetivo das ações é o mesmo: ensinar à comunidade local caminhos para uma exploração melhor dos recursos naturais que estão à sua disposição – e, com isso, gerar mais possibilidades de emprego e renda. “Nossa principal meta é estimular o empreendedorismo. Queremos criar uma mudança de postura da comunidade, fazer com que eles tenham uma atitude mais proativa para os negócios”, afirma o professor Celso Carrer.
Conquista mútua
Se por um lado a população de Caiçara do Rio do Vento ganha a oportunidade de ter a USP atuando em seu município, por outro é possível dizer que a Universidade é igualmente beneficiada com a iniciativa.
Em primeiro lugar, pela vivência única que a atuação no Portal dos Ventos propicia ao pessoal da FZEA envolvido na empreitada – professores, funcionários e, principalmente, alunos. “Eles acabam tendo contato com uma realidade completamente distinta. Convivem com um Brasil que não conheciam e não conheceriam”, diz Celso Carrer.
E há também um benefício mais tangível, mais material. Ao atuar em um ambiente, o sertão nordestino, com características geográficas e climáticas tão diferentes das do interior paulista, os pesquisadores da FZEA veem seu campo de atuação significativamente ampliado. Como resultado, Carrer conta que já se produziram 15 artigos científicos baseados em experiências praticadas no Portal dos Ventos, além de outras ainda em andamento. O projeto, inclusive, já recebeu prêmios em congressos internacionais de zootecnia.
Alunos de todos os cursos da FZEA – zootecnia, engenharia de alimentos, medicina veterinária e engenharia de biossistemas – podem participar do projeto.
Origem
Ainda quando aluno de graduação, em 1982, Celso Carrer participou do Projeto Rondon, iniciativa do governo federal que estimulava a ida de estudantes dos grandes centros para regiões mais distantes. Carrer foi à cidade de Marabá (PA), gostou do processo e se sentiu estimulado a replicá-lo, agora na condição de docente.
Começou a procurar projetos sociais em cidades do interior do Brasil e tomou conhecimento do trabalho que o poeta Márcio Cezar Carvalho, carioca radicado no Rio Grande do Norte, realizava em Caiçara do Rio do Vento.
À época (2005), a cidade era o município com o menor índice de desenvolvimento humano (IDH) no Rio Grande do Norte. “Caiçara do Rio do Vento está localizada no chamado Polígono da Seca. É uma região com um solo fértil, mas sem água”, diz Carrer.
A aproximação entre Carrer e Carvalho levou à criação do Portal dos Ventos. A fazenda onde o projeto se dá hoje foi cedida por Carvalho, que é também o coordenador do campus avançado.
Nos próximos meses, deverá ser publicado um livro sobre o Portal dos Ventos, e também deverá ir ao ar o novo site do projeto. Enquanto isso, a FZEA segue captando os alunos e lutando pela ampliação das atividades desenvolvidas. “Muito se fala da internacionalização da Universidade, com a qual eu concordo; mas precisamos pensar também em uma ‘nacionalização’, em expandir suas fronteiras para outras regiões do Brasil”, conclui o professor Celso Carrer.
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