Nos últimos meses, a seca que assola o sertão potiguar tem reduzido a oferta de água e levado o homem do campo a caminhar quilômetros em busca de algum reservatório. Nos onze municípios percorridos pela equipe da TRIBUNA DO NORTE a dificuldade é a mesma. A demanda aumentou devido à escassez na zona rural, entre 20 e 30%, mas não há água em quantidade suficiente para atender a todos, diariamente.
Alguns municípios já fazem o racionamento da água para evitar um colapso no abastecimento, como é o caso das cidades de Santa Cruz, São Paulo do Potengi, Lajes e São Tomé, abastecidas pela adutora Monsenhor Expedito. Atualmente, esse sistema adutor atende cerca de dez vezes mais do que estava previsto. Projetada para atender 22 cidades e cinco comunidades rurais, a adutora destina água para 30 municípios e 250 comunidades rurais.No caso dos municípios de São Tomé e Santa Cruz já existe uma crise aguda no abastecimento, inclusive nas cidades. Em Santa Cruz, segundo o prefeito José Péricles, o Sistema de Abastecimento de Água e Esgotos (SAAE) tem feito rodízio no bobeamento. Nenhum dos bairros tem água corrente todo dia. A SAAE recebe, por mês, 180 mil metros cúbicos de água, quando precisaria de, no mínimo, o dobro.Atualmente, as 1.500 cisternas existentes na zona rural estão todas secas. “Precisamos abastecer todas essas cisternas com água potável”, disse o prefeito, “mas não temos água suficiente”. Normalmente, nas áreas atendidas pela rede de abastecimento, quando chega água as pessoas enchem baldes e tanques, ou cisternas, porque sabem que vai demorar de dois a três dias, ou até uma semana, para voltar às torneiras.
Em Santa Cruz, a esperança é a Operação Pipa, comandada pelo Exército, que até a semana passada não tinha sido retomada pela dificuldade de contratar pipeiros, que lucram mais com a venda particular. Dependendo da distância a ser percorrida, eles chegam a cobrar de R$ 70,00 a até 120,00 para fazer a entrega de 8 mil litros de água. Segundo o prefeito, eles não querem trabalhar pelo preço estipulado pelo Exército.
A TN tentou falar com o responsável pela Operação-Pipa no Rio Grande do Norte para atualizar os dados quanto a retomada do programa e sobre os valores pagos, mas não obteve sucesso. A prefeitura está cadastrando novos pipeiros que possam aceitar o valor que é pago pelo Exército. Enquanto isso, a operação-pipa continua parada em Santa Cruz.
O racionamento também é forte em São Tomé. Com área de 880 quilômetros quadrados – o equivalente a quatro vezes Natal -, o município, que tem 50% de sua população na zona rural, vive uma crise sem precedentes no abastecimento de água. Uma semana antes de a equipe da TN chegar a cidade as escolas foram obrigadas a dispensar os alunos mais cedo por falta de água. “Não tinha água para fazer a merenda. Hoje, a água está totalmente racionada. A adutora não consegue atender a demanda”, afirmou o vice-prefeito, Miguel Salustiano.
O problema nas escolas foi resolvido, segundo Miguel, porque a prefeitura deu prioridade à rede escolar no
abastecimento por carros-pipa. Quatro carros-pipa, pagos pela prefeitura, suprem a carência de água. No ano passado, a prefeitura de São Tomé ampliou, com recursos da Funasa, em sete quilômetros a rede de abastecimento para abranger as comunidades de Barra, Bela Vista, Mulungu, Pedra Preta e Carnaúba, mas a extensão está inoperante.
abastecimento por carros-pipa. Quatro carros-pipa, pagos pela prefeitura, suprem a carência de água. No ano passado, a prefeitura de São Tomé ampliou, com recursos da Funasa, em sete quilômetros a rede de abastecimento para abranger as comunidades de Barra, Bela Vista, Mulungu, Pedra Preta e Carnaúba, mas a extensão está inoperante.
“A Caern diz que não tem como atender porque a adutora não suporta”, explicou o prefeito, Anteomar Pereira. O município tem 1.300 cisternas com capacidade para 16 mil litros de água, cada uma, mas a maioria está seca ou em vias de secar. Na zona rural, em alguns dos 83 povoados, o acesso é difícil. Somente o trator pode subir com a pipa para levar água, o que dificulta ainda mais o abastecimento.
Adutora trabalha acima do que foi pactuado
Ao passo que acelera a evaporação, a estiagem provoca um aumento no consumo de água entre 20 e 30%. No caso das cidades abastecidas pela adutora Monsenhor Expedito o que dificulta o abastecimento é que a adutora já está trabalhando acima do teto estabelecido em um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), com o Ministério Público Estadual, que é de 39 metros de profundidade na captação de água da Lagoa do Bonfim.
Segundo informações da Caern essa cota já está em 39,82 metros de profundidade, ou seja, 82 centímetros acima da cota definida. No momento, são captados da Lagoa do Bonfim cerca de 950 metros cúbicos de água, o que equivale a 22,8 mil metros cúbicos de água captados por dia. Com a previsão de chuvas para o litoral potiguar, já a partir do mês de maio, os técnicos da Caern acreditam que haja uma aumento da lâmina d’água.
“A Caern alega que não tem como ultrapassar ainda mais essa cota e aumentar a nossa vazão”, afirmou o prefeito de Santa Cruz, José Péricles. Segundo o secretário estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semarh), Gilberto Jales, para reduzir a captação de água na Lagoa do Bonfim já foram perfurados 12 novos poços. “Já temos o sistema de interligação entre o reservatório desses poços e a adutora Monsenhor Expedito”, detalhou Jales, “e agora estamos trabalhando na automação do sistema”. A previsão é de que as obras sejam concluídas este ano.
A meta é aumentar a vazão de água para 900 mil litros por hora. Com a obra, o sistema adutor passará a atender uma população de 240 mil pessoas. Atualmente, o sistema produz 1,7 milhão de litros de água por hora, atendendo cerca de 200 mil pessoas. Em Santa Cruz, dos onze açudes, cinco estão completamente secos. Em outros a água que restou é imprópria para o consumo humano e a tendência é que com a estiagem, que segundo previsões dos institutos de meteorologia, deve persistir por mais nove meses, a situação se agrave.
O Sistema Adutor Agreste/Trairi/Potengi, abastecido pela Adutora Monsenhor Expedito, entrou em operação em 1998 e teve a primeira etapa concluída em 2000. As últimas cidades que ingressaram no sistema adutor foram as de Campo Redondo, Japi, São Bento do Trairi, Serra de São Bento, Monte das Gameleiras, Jaçanã e Coronel Ezequiel, em 2007.
Estado tem 820 poços sem uso, segundo Semarh
Rios secos, açudes esturricados ou com nível muito baixo de água e cacimbas quase esgotadas são paisagem de um cenário comum no semi-árido potiguar. Todos os dias, sob sol forte, homens percorrem quilômetros em carroças puxadas por jumentos magros; mulheres atravessam fazendas e sítios a pé para pegar dois ou três baldes de água; carros-pipa adentram o sertão por estradas carroçáveis para abastecer as comunidades rurais.
Na zona rural de Caicó, às 9 horas, a agricultora Francinilda Medeiros, 43 anos, já tinha carregado em um carro de mão cinco baldes grandes de água para consumo dos animais e lavagem de roupas. Pelo menos, uma vez por semana, Fracinilda chega a caminhar mais de uma hora a pé para buscar água no açude da fazenda Almir Costa – o único da região que ainda tem água. Na bacia hidrográfica do Estado a média da reserva de água fica entre 50% e 70%, tendo açudes com manancial abaixo de 25%.
Na zona rural de São Tomé, o assentado Francisco Martins dos Santos, 30 anos, pega água num poço nos arredores do Assentamento Anita Garibaldi. “É a única água que tem e é ela que a gente tem que usar, pra tudo”, comentou ao terminar de encher o tonel e partir na carroça. Na comunidade de Mulungu, sertão de Lajes, Maria do Socorro Pereira da Silva, 56 anos, não tem a mesma sorte. A terra esturricada não ‘faz água’. No povoado, não há poços tubulares, e os açudes próximos estão secos.
Em Tangará, a zona rural está sendo abastecida com carros-pipa e a cidade já tem problemas no abastecimento. A situação poderia ser amenizada, segundo o prefeito José Eduardo de Carvalho, se os poços perfurados estivessem funcionando. No município, pelo menos, 40 poços, estão inoperantes. No estado, são 820 sem uso. Eles foram perfurados, mas não chegaram a receber os equipamentos necessários à captação de água, e o custo da instalação seria da ordem de R$ 14 milhões, recurso que, segundo Gilberto Jales, titular da Semarh, o governo ainda aguarda.
Segundo ele, os R$ 2,3 milhões que o governo assegurou são para recuperação de 140 poços em atividade e devem ser liberados até a próxima semana. Para municípios que possuem poços que apresentam água salgada, o governo distribuirá dessalinizadores. São 40 municípios que receberão os equipamentos. A meta é atingir 68 poços nas regiões Central e Seridó.
ENTREVISTA
José Péricles, prefeito de Santa Cruz
“Hoje estamos totalmente dependentes da adutora”
Como está o abastecimento de água no município?
Nós não captamos água, recebemos da Caern, através da adutora Monsenhor Expedito, mas a quantidade de água que chega à cidade não é suficiente. O que a cidade precisa é ter o fornecimento de uma maior quantidade de água, uma vazão maior, para poder atender toda a população. Hoje estamos totalmente dependentes da adutora Monsenhor Expedito.
Essa redução no volume de água ofertado pela Caern deve-se à estiagem?
Na verdade, o projeto da adutora era para atender a cidade de Santa Cruz até 2016, mas após a inauguração várias outras cidades foram sendo incorporadas ao ramal, sem qualquer ampliação do sistema. A vazão já está estourada.
Já há racionamento de água?
Como não temos reservatório de grande porte, bombeamos a água diretamente na rede, e não é possível manter esse bombeamento direto. Teríamos um colapso muito rápido. Por isso, a cidade é toda abastecida por rodízio. A água é bombeada para os bairros, sequencialmente, durante a semana.
O que tem sido feito para suprir a falta de água?
Nas partes altas da cidade onde o abastecimento pela rede demora mais nós suprimos a necessidade com carros-pipa, pagos pela prefeitura. No hospital, que fica na parte alta, a gente mantém um caminhão já direto para abastecer e não deixar faltar água.
Pode haver um colapso no abastecimento?
Esse é o nosso grande medo. Temos receio que os recursos federais demorem muito a chegar nos municípios e aconteça um problema maior. Nós já estamos sentindo na pele a falta da água. Então é preciso agilizar a Operação Pipa para amenizar, principalmente, a falta de água no campo. O município tem 1.500 cisternas, todas secas e que precisam ser abastecidas. E não podemos ver somente o ser humano, tem todo um rebanho, os animais que precisam da água.
A prefeitura já enviou a documentação para ter acesso aos recursos federais?
A prefeitura já apresentou toda a documentação para reconhecimento federal da emergência. Esperamos a liberação imediata dos recursos para que possamos encaminhar as ações. Sabemos que mudar vazão da adutora não é tão fácil, tem que obra bem maior, mudar tubulação, equipamentos, bombas, então a gente espera que chegue o mais rápido a ajuda emergencial do carro-pipa.
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